domingo, 29 de julho de 2007

Não Aponte o Dedo, Apenas… Ajude.

Para conhecer melhor as crianças do bairro, criamos uma pequena actividade que consistia no seguinte, nós começávamos as frases e eles terminavam, três simples frases: O meu sonho é… O meu ídolo é… Eu gostava de ….

Das mais variadas respostas, a que mais me comoveu, quase chorei, (e eu nunca choro nos filmes tristes), foi a resposta de um miúdo com 7 anos aqui do bairro da abelheira, o Bráulio, o sonho dele é o que eu considero um sonho normal, numa criança, O meu sonho é “Jogar Futebol, porque é bom, para ser um grande jogador de Futebol como o Cristiano Ronaldo”, a pensar nesse sonho geral, já temos a ideia de criar a Escolinha de Futebol – A Abelhinha, o tempo e os recursos o dirão.

A resposta seguinte o meu ídolo é “o meu irmão Serginho, porque joga bem à bola, ele faz-me o leite e dá-me atenção”, a resposta já me deixou um bocadinho comovido, porque as crianças normalmente têm ídolos que são conhecidos, que aparecem na TV, este menino reconhece o que o irmão faz por ele.

Quando li a terceira parte, fiquei sem saber o que pensar, o que fazer numa situação destas, Eu gostava de SER RICO PARA COMPRAR UMA PLAYSTATION”, normalmente as crianças dizem apenas que gostavam de ter uma playstation, ou um jogo, quando um miúdo de 7 anos nos diz que gostava de ser rico para poder comprar uma consola, já tem a percepção de que o dinheiro é algo que é muito difícil de conseguir, que os amigos na escola têm uma, já jogaram, têm conversas sobre o qual ele não pode ter, fica excluído.

Eu nesta idade, nem sabia o que era dinheiro, não tinha tantas dificuldades, a altura era outra, não éramos obrigados a consumir tanta tecnologia, ninguém andava de telemóvel, nem com PSP no bolso, nas nossas conversas não incluíamos os jogos, a Internet nem o computador, a realidade era diferente do que é hoje.

À medida que vou conhecendo esta comunidade, vou percebendo que a realidade é bem diferente do que eu imaginava, que não é por apontar o dedo, sentados no nosso sofá que as coisas mudam, mas sim, fazer um trabalho de campo onde no dia à dia vamos dando hipóteses a novas dificuldades que vão aparecendo, temos que dar a estas crianças o mesmo direito de crescer e ter o que um lar normal tem, por exemplo se tivermos uma consola na sede, essa consola, vai servir 100 jovens, vai oferecer o mesmo nível de desenvolvimento que qualquer outra criança, vai fazer com que eles sonhem com outras coisas, que não se preocupem com o dinheiro, que não se desmotivem com a escola só porque pensam que nunca irão ter condições de ter uma vida mais à vontade.

Já Pensou nisso?

O caminho é longo, e está no presente, e se um miúdo que tem 7 anos já pensa numa consola, agora imaginem este miúdo que vai levar dos 7 aos 15 e 16 anos, sem conseguir comprar, a questionar e a querer ter uma consola e sem dinheiro para ter uma, qual será a maneira de conseguir, será que não irá cometer um erro?

Não podemos apontar o dedo a todos, o bairro não tem culpa, aqui existem pessoas sãs, pessoas doentes, mais ricas, menos ricas, boas, menos boas, idosos, adultos, jovens, crianças, bebés, conheci também uma família que tem uma educação que eu achei perfeita, como pai, não sei se irei conseguir dar uma educação idêntica aos meus filhos. Existem meninos que agora estão a crescer, que têm os mesmos sonhos que todos os outros, mas com uma realidade, com 6 anos já sabem dar o valor ao dinheiro, sabem que o dinheiro faz falta.

Não podemos ficar impávidos e apontar o dedo como se já pertencesse a algo que já está perdido.

Lembra-se daquele jogo que está esquecido no armário e já não vai jogar?

Será que ajudar é assim tão difícil?

Sérgio Miguel – Formador de Informática

(2 filhos)

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